O Engodo das Fundações Estatais
A recente proposta do Governo Federal de transferir a gestão de diversos serviços públicos essenciais, entre os quais a Saúde, para a administração indireta através da criação de uma nova personalidade jurídica a fundação publica de direito privado, chamada pelos teóricos de Fundação Estatal,tem sofrido forte reação de diversos setores da sociedade.
A proposta encontra-se na Casa civil da Presidência da Republica e deve chegar ao Congresso Nacional na forma de Projeto de Lei Complementar para regulamentar a Emenda Constitucional 19 de 1998 e permitir a criação por parte do poder público das Fundações, que a principio e segundo relatos do próprio Ministro da Saúde seriam utilizadas como modelo para a Gestão dos Hospitais Públicos Federais.
Embora ainda deva render, esperamos, um bom e prolongado debate no Congresso Nacional, se aprovado, certamente terá um efeito cascata e através do estímulo federal deve se alastrar pelos Hospitais Públicos Estaduais, atingindo a plenitude do Sistema Único de Saúde, a despeito da posição contrária do órgão maximo de deliberação do controle social do SUS, O Conselho Nacional de Saúde.
A proposta foi gestada no Ministério do Planejamento como alternativa ao modelo atual da administração direta, de algumas fundações de apoio dos Hospitais Públicos Federais do próprio Ministério da Saúde e da Educação, e outras formas de gestão atacadas pelo Ministério Publico como as Organizações sociais e OSCIPES .O Ministério do Planejamento tem sido desde o governo FHC e agora no governo Lula, o berço do pensamento neoliberal e do Estado mínimo e tem se esmerado em encontrar saídas de governo para as amarras das leis criadas pelo Estado Brasileiro.
O diagnóstico da precariedade da situação da prestação dos serviços públicos essenciais ao povo brasileiro,entre os quais a assistência hospitalar é, há muito conhecida e tem muitas causas . A principal delas, esquecida de propósito pelos teóricos do Planejamento, é o sub-financiamento público do setor saúde, para ficarmos apenas nesta área social, carente de um modelo regular e constante de financiamento quer pela união , quer por estados e municípios, como prevê a emenda constitucional 29, negligenciada em sua regulamentação desde 2000.
O vergonhoso desvio de verbas originalmente destinadas para o setor saúde como o caso da CPMF e os constantes contingenciamentos para superávits primários que impedem a execução orçamentária pelo Ministério da Saúde,(este ano já foi contigenciado 5,7 bilhões ), complementam a penúria orçamentária do setor.Em verdade, se todo o orçamento da Saúde fosse executado ainda investiríamos no Brasil, per capita, valores inferiores ao Uruguai, Chile e Argentina.
Maior prova desta tese, é que com raríssimas exceções mesmo os Hospitais e Santas Casas de regime privado, portanto que já funcionam sem as amarras da administração pública direta e que atendem majoritariamente o SUS (remunerados pela sua tabela aviltante) estão em seriíssimas dificuldades financeiras e muitos já fecharam suas portas.
Ignorando a questão do financiamento, o Ministério do Planejamento prefere atacar a administração direta, destacando a falência administrativa pública e os servidores públicos como os maiores vilões pela realidade atual de má prestação de serviços.Necessário se faz concordar, que a assistência hospitalar publica e o atual modelo de gestão pela administração direta requer importantes e imprescindíveis ajustes,mas é difícil acreditar que repassando a sua responsabilidade direta constitucional de gerir os serviços, vá haver mais profissionalismo e compromisso da gestão, e que os recursos necessários serão disponibilizados para a melhoria da assistência.
As Fundações vem ao encontro muito mais de resolver o problema dos gestores do que o problema dos usuários do SUS, como já era de se esperar da proposta dos teóricos do Planejamento, senão vejamos:
Repassando os atuais funcionários públicos estatutários para a Fundação Estatal com ônus para esta ultima estes passam a ser remunerados através do repasse do Estado para a nova Estrutura definido no contrato de gestão, desonerando a folha de pagamento do orçamento geral da união e estados, e finalmente conseguindo burlar a lei de responsabilidade fiscal no tocante ao pagamento de pessoal. Esta manobra da nova lei, ainda resolve o problema dos governos em relação a previdência própria da União e Estados quebrada, diga-se de passagem por desvios de recursos dos governantes para outras finalidades.
Um outro problema que se resolve é o da estabilidade dos servidores e da carreira de estado para os profissionais de saúde,antigo calo dos governos que, por falta de vontade política e incompetência gerencial, nunca estabeleceu política de avaliação de desempenho, como previsto na emenda constitucional 19, capaz de valorizar os bons e demitir os maus profissionais.
O regulamento próprio para as licitações a ser instituído pelo novo modelo de gestão permite ainda flexibilizar a lei atual 8666, facilitando os processos, mas tudo dentro da lei.
Importante ainda destacar que além do repasse do dever de estado repassado na proposta restam feridos alguns princípios do SUS, , e mais marcantemente e ferido de morte estará o Controle Social, que necessariamente será submetido aos Estatutos da Fundação e a composição do Conselho Curador a ser instituído.
Tudo isso em beneficio dos bons serviços a população! A revelia da Constituição e das Leis 8080 e 8142. Mas quem governa é o Governo! O Estado Brasileiro que resista, se puder. Salve-se quem puder! O povo que se organize e reaja ! Quem viver verá.
*André Longo, é Vice-Presidente do CREMEPE (Conselho Regional de Medicina de Pernambuco) e Diretor da FENAM (Federação Nacional dos Médicos).
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